Mais uma crítica ótima da Peça Obituário Ideal.

Silêncio mortal para estabelecer o diálogo.

Neste inventário, mais ou menos mórbido, de nossa atualidade, o autor Rodrigo Nogueira circunda a morte como metáfora das impossibilidades daquilo que não se consegue viver. Senão, plenamente, ao menos parcialmente. Para tanto, exibe a relação de um casal, já sem condições de manipular com alguma realidade afetiva os seus mútuos sentimentos, que inicia estranha jornada em torno da estimulação da convivência através de visitas a velórios de desconhecidos. Deste ambiente, retira o pouco que ainda os mantém como par, e os resquícios para preservar seus diálogos. Diálogos entrecortados, indeterminados, vagos, inconclusivos. Para saber-se vivo, pelo menos como casal, é necessário se nutrir dos rituais da morte, para reproduzi-los como simulacros na vida em comum. A construção do texto, em cartaz na Arena do Espaço Sesc, segue como narrativa nervosamente dialogada e na ironia de suas observações triviais, o embotamento das emoções. O ruído quase permanente do que a televisão despeja do exterior, é outro dos elementos deste painel doméstico, que atinge pelo inesperado da morte, o obituário ideal. Ambientada na década de 50, a trama é de agora, com os personagens cansados de receber tantas informações e sem saber como filtrar essa realidade explodida de indícios. Como diz o homem: “é muito de tudo. Quero ser possível”. Instigante, esta “comédia noir, seja lá o que isto for”, como se anuncia no início do espetáculo, confirma o crescente domínio de Rodrigo Nogueira da escrita dramatúrgica e cênica (também assina a direção, em parceria com Thiare Maia). Com humor corrosivo, a direção propõe aos atores linha ácida, que tanto Rodrigo Nogueira (com carga maior na composição), quanto Maria Maya (aderindo, decisivamente, às oscilações imprevisíveis da personagem) desempenham com integral cumplicidade.

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Fonte: Macksen Luiz

Postado Por Daiane Rodrigues

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